O CONTENCIOSO NA ESTRATÉGIA DO NEGÓCIO: O QUE UM CASE IN-HOUSE PODE ENSINAR
Contencioso como parceiro estratégico: de centro de custo a área que antecipa riscos e contribui com decisões de negócio
Gestão estratégica do contencioso exige dados, visão proativa e integração para acordos eficientes e sustentáveis.
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A realidade do contexto jurídico brasileiro configura-se como um dos mais complexos e multifacetados do mundo contemporâneo, sobretudo quando se trata da seara trabalhista. A multiplicidade de normas, a historicidade das relações laborais e o traço sociocultural de litigar, em detrimento da via conciliatória, desenham um cenário marcado por desafios sistêmicos e operacionais. Ao longo dos últimos anos, fui responsável pela condução estratégica de uma carteira muito diversificada em processos trabalhistas que me permitiu constatar, em detalhes, tanto a riqueza quanto a fragilidade do sistema de justiça do trabalho.
Os desafios encontrados foram tanto sistêmicos quanto estratégicos. E é essa lição que gostaria de compartilhar nesse breve artigo.
1. Conciliação x Cultura do Litígio: O Paradoxo Brasileiro
No plano teórico, nosso ordenamento jurídico privilegia a conciliação como essência da solução de conflitos. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e o próprio modelo das audiências trabalhistas sustentam o diálogo como via preferencial. Contudo, a prática revela que a cultura jurídica nacional segue enraizada em um paradigma de confronto, judicialização permanente e, não raras vezes, alheamento do real interesse das partes.
Os tribunais laborais, abarrotados de processos, traduzem claramente esse paradoxo (basta uma rápida análise do Monitor do Trabalho Descente - MTD, uma ferramenta super interessante criada pela Justiça do Trabalho que utiliza inteligência artificial para analisar dados de processos e identificar temas específicos de interesse coletivos). O “devido processo legal” – fundamento basilar e garantidor de direitos – em vez de pacificar, por vezes gera e alimenta a litigiosidade, seja pela protelação artificial dos feitos, seja pela ausência de incentivos à solução consensual. Não se trata de questionar a importância do devido processo, mas, sim, de reconhecer que sua condução ineficiente pode solidificar práticas processuais que fomentam o conflito e oneram todos os atores envolvidos. Mas, claro, nem tudo é culpa do processo. Para termos um resultado eficiente e com eficácia temporal, as partes precisam ajudar no resultado. É necessário ter a consciência de que a solução de qualquer problema está mais perto quando já concessão recíproca do que o resultado final de um processo.
2. A Imperatividade da Visão Estratégica
Diante deste contexto, a gestão do contencioso trabalhista de grandes volumes impõe-se como desafio que transcende a mera administração de prazos e atos processuais. Gerenciar uma carteira de litígios exige visão estratégica, capacidade de análise sistêmica e sensibilidade para dialogar com múltiplos interesses institucionais.
Durante minha trajetória à frente do contencioso, identifiquei que a mera resposta às demandas, sem um direcionamento preventivo e assertivo, gera ciclos viciosos de judicialização, impactando negativamente a reputação da companhia e os indicadores financeiros, além de sobrecarregar equipes jurídicas com demandas repetitivas e pouco estratégicas.
A visão estratégica, neste contexto, significa adotar posição proativa: antever tendências, mapear riscos, priorizar questões sensíveis e atuar de forma preventiva, inclusive na interação constante com áreas internas da empresa e órgãos externos, promovendo cultura de prevenção de litígios e soluções alternativas. Essa postura é capaz de transformar passivos em oportunidades de aprimoramento de políticas internas e fortalecer a imagem institucional.
3. Três Estratégias-Chave para a Gestão de Grandes Contenciosos Trabalhistas
Com base na vivência acumulada nesse período, destaco três sugestões estratégicas fundamentais para a gestão efetiva do contencioso trabalhista em larga escala:
a) Mapeamento e Classificação Inteligente dos Processos
No contexto de uma carteira volumosa e diversificada de processos trabalhistas, o ponto de partida de qualquer gestão estratégica deve ser o mapeamento minucioso e a classificação criteriosa dos litígios. Uma plataforma sofisticada de gestão jurídica, com recursos de automação e inteligência artificial, é, sem dúvida, a melhor aliada para transformar dados em informação estratégica. Porém, mesmo na ausência de um sistema dedicado que otimize e automatize a classificação de processos, é fundamental compreender que uma análise básica e estratégica ainda é plenamente viável.
Para tal, a premissa central reside no tratamento dos dados de forma excepcionalmente cristalina e padronizada. Isso significa ir além do registro superficial, garantindo que cada informação seja inserida com consistência, clareza e precisão, estabelecendo uma base sólida para qualquer tipo de análise subsequente, por mais rudimentar que seja o método empregado. Com essa disciplina na gestão da informação, torna-se possível, ao final, identificar os principais objetos da sua carteira de processos – seja por tipo de ação, valor envolvido ou área do direito. Simultaneamente, a padronização permite mapear com clareza os advogados das partes adversas, revelando padrões de atuação, e, crucialmente, registrar e correlacionar as últimas decisões proferidas.
É justamente a partir dessas informações básicas e bem organizadas que se constrói a capacidade de compreender o histórico decisório da empresa. Essa retrospectiva analítica oferece insights valiosos sobre tendências, riscos e oportunidades, capacitando o gestor a tratar o futuro de forma proativa e com uma abordagem mais assertiva, otimizando estratégias e reduzindo incertezas.
Contudo, apesar da possibilidade de realizar classificações rudimentares, a evolução e o aprimoramento contínuo da gestão processual atingem seu ápice com a implantação de sistemas especializados. Recomenda-se, portanto, organizar o orçamento de forma adequada, planejando a aquisição e implementação de ferramentas tecnológicas que automatizem e integrem toda essa gestão de forma eficiente e escalável. Esses sistemas não apenas facilitam o mapeamento e a classificação inteligente, mas também oferecem análises preditivas, dashboards de desempenho e alertas proativos, garantindo que suas decisões sejam tomadas com o melhor embasamento possível. O investimento em tecnologia, nesse cenário, traduz-se em agilidade operacional, maior segurança jurídica e um resultado diferenciado, posicionando a atuação do gestor em um patamar de excelência.
b) Fomento à Política de Acordos Qualificados e Soluções Alternativas
A adoção de uma política de acordos qualificados revela maturidade operacional e visão estratégica no âmbito da gestão do contencioso trabalhista. A estratégia de composição deve ser sempre pautada por dados concretos e alinhada ao planejamento financeiro da companhia, garantindo que cada decisão reflita não apenas conveniências momentâneas, mas fundamentos analíticos robustos e alinhamento institucional.
Nesse contexto, o acordo não deve ser celebrado de maneira intuitiva ou empírica. É imprescindível que sua realização seja balizada pelo banco de dados construído e mantido de forma organizada na estrutura de gestão processual. O uso disciplinado desse repositório de informações — que congrega históricos de demandas similares, padrões de decisões judiciais, perfis de partes adversas e resultados financeiros anteriores — possibilita a extração de insights assertivos para a definição de critérios claros para aceitação ou rejeição de propostas de acordo.
Esse rigor analítico contribui para que a política de composição esteja em consonância com o planejamento orçamentário da companhia, assegurando previsibilidade e racionalidade na destinação de recursos para a solução de conflitos. Além disso, a padronização dos critérios para acordos permite que se identifiquem oportunidades de consenso mais vantajosas, reduzindo o volume de demandas ativas sem sacrificar a integridade do interesse empresarial.
Destaca-se que fomentar a cultura da resolução qualificada não significa abdicar do direito de defesa, mas, sim, disseminar um modelo de atuação marcado pela racionalidade econômica, pela busca do melhor benefício social e pelo encerramento célere de litígios. A adoção de soluções alternativas, como mediação e conciliação, também deve ser incentivada, sempre à luz dos dados e tendências extraídos dos registros processuais organizados, elevando o grau de maturidade institucional e promovendo resultados sustentáveis no médio e longo prazo.
Em síntese, uma política de acordos qualificados, ancorada em dados e critérios objetivos, não apenas aumenta a eficiência da gestão do contencioso, mas fortalece a imagem institucional da companhia e contribui para um ambiente empresarial mais previsível e equilibrado. Sua gestão será sempre lembrada!
c) Integração Multidisciplinar e Atuação Preventiva
A gestão eficiente do contencioso trabalhista exige uma abordagem alinhada à complexidade das relações modernas de trabalho, o que torna indispensável a atuação integrada de diferentes áreas da companhia — especialmente compliance, recursos humanos e segurança do trabalho. O gestor jurídico deve transcender o papel tradicional de defesa e litígio, promovendo um ecossistema colaborativo que favoreça tanto a prevenção quanto a solução estratégica de conflitos.
A integração multidisciplinar potencializa a capacidade de identificação precoce de riscos e de pontos críticos de conflito inerentes à relação empregador-empregado. O contato sistemático com áreas operacionais e técnicas viabiliza a análise de comportamentos, rotinas e procedimentos internos, permitindo mapear causas recorrentes de demandas judiciais e intervir nas origens do problema, antes que se materializem em litígios.
Nesse contexto, é fundamental organizar e promover programas de treinamentos contínuos para líderes, gestores e colaboradores. O conteúdo desses treinamentos deve ser atualizado de acordo com os principais tópicos identificados no banco de dados processual e nas tendências jurisprudenciais, reforçando temas como ética, conduta, prevenção de assédio, adequação de jornadas e normas de segurança do trabalho. Da mesma forma, a revisão constante dos normativos internos — políticas, regulamentos e manuais — é imprescindível para assegurar a sua aderência à legislação vigente e às melhores práticas de governança, alinhando expectativas e comportamentos em toda a organização.
A atuação preventiva articula-se, ainda, como elemento central da governança corporativa, demonstrando compromisso com a conformidade legal, redução de passivos e respeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores. Relatórios regulares, dashboards e reuniões intersetoriais devem ser utilizados para compartilhar informações relevantes do contencioso — em especial alertas sobre novas demandas, temas sensíveis e oportunidades de melhoria —, fomentando uma cultura organizacional proativa e orientada à mitigação de riscos.
Por fim, vale ressaltar que a integração e a atuação preventiva refletem diretamente na diminuição do volume e da gravidade de litígios trabalhistas. Esse modelo reduz custos, preserva reputação institucional e proporciona um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo, consolidando a atuação do jurídico como parceiro estratégico do negócio.
Conclusão: visão estratégica querer proatividade para alcançar o acordo ideal.
A gestão estratégica do contencioso trabalhista, conforme explorado ao longo do artigo, revela-se um diferencial competitivo essencial para as organizações que atuam em ambientes jurídicos complexos e desafiadores. O jurídico in-house precisa estar atento. Ao adotar metodologias de mapeamento e classificação inteligentes, fomentar políticas de acordos baseadas em critérios objetivos e promover a integração multidisciplinar com foco na prevenção, é possível transformar o contencioso em um instrumento efetivo de geração de valor e fortalecimento institucional.
Mais do que responder a litígios já instaurados, a atuação do jurídico moderno exige visão sistêmica, capacidade analítica e diálogo constante com diferentes áreas da companhia. Dessa forma, não apenas se reduzem custos e passivos, mas também se constrói um ambiente organizacional mais saudável e alinhado às melhores práticas de governança e responsabilidade social.
Em síntese, o caminho da excelência na gestão do contencioso passa, necessariamente, por uma atuação proativa, orientada por dados e embasada na cultura de colaboração, consolidando o jurídico como protagonista estratégico na sustentabilidade e perenidade dos negócios.
Vale lembrar que, um bom acordo é aquele pactuado com a melhor base de dados possível, alinhado com a visão do seu negócio.